O blog

Aqui é um espaço construído de acordo com o meu desejo de contar, compartilhar e escrever.

Itinerário

Não quero viver como uma planta que engasga e não diz a sua flor. Como um pássaro que mantém os pés atados a um visgo imaginário. Como um texto que tece centenas de parágrafos sem dar o recado pretendido. Que eu saiba fazer os meus sonhos frutificarem a sua música. Que eu não me especialize em desculpas que me desviem dos meus prazeres. Que eu consiga derreter as grades de cera que me afastam da minha vontade. Que a cada manhã, ao acordar, eu desperte um pouco mais para o que verdadeiramente me interessa. Não quero olhar para trás, lá na frente, e descobrir quilômetros de terreno baldio que eu não soube cultivar. Calhamaços de páginas em branco à espera de uma história que se parecesse comigo. Não quero perceber que, embora desejasse grande, amei pequeno. Que deixei escapulir as oportunidades capazes de bordar mais alegrias na minha vida. Que me atolei na areia movediça do tédio. Que a quantidade de energia desperdiçada com tantas tolices poderia ter sido útil para levar luz a algumas sombras, a começar pelas minhas. Que eu saiba as minhas asas, ainda que com medo. Que, ainda que com medo, eu avance. Que eu não me encabule jamais por sentir ternura. Que eu me enamore com a pureza das almas que vivem cada encontro com os tons mais contentes da sua caixa de lápis de cor. Que o Deus que brinca em mim convide para brincar o Deus que mora nas pessoas. Que eu tenha delicadeza para acolher aqueles que entrarem na roda e sabedoria para abençoar aqueles que dela se retirarem. Que, durante a viagem, eu possa saborear paisagens já contempladas com olhos admirados de quem se encanta pela primeira vez. Que, diante de cada beleza, o meu olhar inaugure detalhes, ângulos, leituras, que passaram despercebidos no olhar anterior. Que eu me conceda a bênção de ter olhos que não se fechem ao espetáculo precioso da natureza, há milênios em cartaz, com ou sem platéia. Quero aprender a ser cada vez mais maleável comigo e com os outros. Desapertar a rigidez. Rir mais vezes a partir do coração. Quero ter cuidado para não soltar a minha mão da mão da generosidade, durante o percurso. E, quando soltá-la, pelas distrações causadas pelo egoísmo, quero ter a atenção para sincronizar o meu passo com o dela de novo. Quero ser respeitosa com as limitações alheias e me recordar mais vezes o quanto é trabalhoso amadurecer. Quero aprender a converter toda a energia disponível às mudanças que me são necessárias, em vez de empregá-la no julgamento das outras pessoas. Que as dificuldades que eu experimentar ao longo da jornada não me roubem a capacidade de encanto. A coragem para me aproximar, um pouquinho mais a cada dia, da realização de cada sonho que me move. A idéia de que a minha vida possa somar no mundo, de alguma forma. A intenção de não morrer como uma planta que engasgou e não disse a sua flor.

Pétalas

Dentro do porquinho cor-de-rosa não tinha nenhuma moeda. Só as palavras mais preciosas que ela guardava com cuidado, enroladas em tirinhas de papel.

Calendário

Visite também

Informações

  • Desde: 03/10/2009
  • Online:
Mais um
sábado, 31 de dezembro de 2011 20:22 0 Comentários
É só um dia depois do outro.
É só um ano depois do outro.

Mas como tirar de mim o encanto pelo número que logo mais virará?
Sinto como se eu piscasse os olhos e o contador zerasse.

Ele não zera. O contador continua. Assim como a vida.

Talvez isto me encha de alegria: mais um ano e a minha vida continua.
E, mais uma vez, posso fazer dela o que eu quiser.
História inventada
sexta-feira, 4 de novembro de 2011 19:17 0 Comentários
Um suspiro. Foi como tudo começou. Olhou-o de longe e ele não notou. Nem no começo, nem no fim. Mas ela o acompanhava de soslaio. Sorrateiramente, como só ela sabia fazer.

“Eu quero guardar teu beijo na concha das mãos…”

Ele mandou um beijo de longe. Mentira. Ele sorriu para ela. Verdade. Mas ela não viu porque estava muito ocupada olhando para o chão.

“Sou alvo pros teus olhos claros parecidos com essa estação…”

Ele a olhava, ela sabia. Mas quanto? Como era esse olhar? Curiosidade? Receio? Desejo? Assombro? Encanto? Podia ser de amor.

“Adoro os efeitos sonoros de quando você sussurra absurdos no ouvido do meu coração…”

Dali uma história nasceu. Apenas para ela. Os mil diálogos, as dez mil situações, os vinte mil encontros, os infinitos quero você só para mim.

“Se eu corro, eu corro demais só pra te ver, meu bem…”

Foram poucos dias. Nunca mais o viu. Mas queria vê-lo de novo. Um dia sim, no outro, também.

“É que eu quero um socorro.”

Olhos nos olhos. Um para o outro. Acredite, faria toda a diferença. Porque aí sim seria apenas o começo. Um começo de verdade.

*
Os trechos são da música “Se eu corro”, de A banda mais bonita da cidade. Para ouvir, aqui.
Na fila do supermercado
quinta-feira, 3 de novembro de 2011 20:40 0 Comentários
Ela mal havia se levantado e o dia lhe disse: é hora de voltar a se apaixonar. Suspirou como há muito não fazia. Sentiu-se bonita novamente. Sorriu da maneira mais leve que conseguia. Queria sentir tudo de novo.

Saiu para passear. Antes de voltar, passou no supermercado para comprar gulodices. Na fila, uma moça e um rapaz estavam à sua frente. O rapaz saiu para ver as gôndolas. A moça ficou. E começou a falar.

Contou sobre o namorado. Sobre a chatice do namorado. Sobre o ciúme do namorado. Sobre uma grande briga entre os dois. Enquanto a moça falava, ela escutava. Por fora, sorria e concordava. Por dentro, sentiu uma leve vertigem. Quanto mais ouvia sobre as agruras daquele relacionamento, mais a angústia que viveu por tantos anos voltava ao seu pensamento. Logo hoje, que acordei querendo me apaixonar de novo.

A moça perguntou seu nome, disse o dela, pagou suas compras, pegou o namorado e partiu. Ela partiu em seguida.

Chegando em casa, pensou na história que ouvira. Apesar da vertigem na fila do supermercado, o desejo não havia passado. Ela sorriu novamente. Quer amar de novo.

Ela sabia que esse dia chegaria: a dor finalmente passou.
Os outros
segunda-feira, 3 de outubro de 2011 01:26 0 Comentários
Sempre eles. A minha derrocada, os meus fracassos, as minhas angústias. Onde colocaram a minha paz? Sempre alguém para me tirar do caminho, me fazer perder o rumo. Nunca posso fazer aquilo que desejo. Nunca posso ser quem eu quero. Porque mudam de ideia, porque querem outras coisas, porque não pensam em mim.

E você pensa em quem?

O inferno são os outros, não é, Sartre?

Porque é mais fácil cada um achar que está com a razão.
Ser só
sexta-feira, 16 de setembro de 2011 12:16 0 Comentários
“Como assim você consegue ser sozinha?”

Eu me impressiono com tal indignação. Todos somos. Acompanhados só estamos por alguns períodos da vida. Mas ser, somos sós. Sinto uma certa compaixão por quem não consegue viver consigo mesmo. Quem não se suporta. Quem não se tolera. Quem é incapaz de compartilhar momentos sem ninguém. Quem precisa estar acompanhado o tempo todo.

A tênue linha entre precisar e querer, entre dependência e amor.

Tenho cá para mim: apenas quem adora estar consigo é uma boa companhia para os outros. Não só. É essa pessoa quem poderá viver acompanhada pela vida inteira.

Porque não precisa de ninguém.
Wake me up!
domingo, 4 de setembro de 2011 19:23 0 Comentários
Ela adormeceu.

Quando o sono tornou-se profundo, uma sequência desfilou a sua frente: cenas daquilo que queria esquecer. Quem mandou enganar a própria memória?

Num instante, de espectadora passou a protagonista. O possível futuro. Estava vivenciando o que, quem sabe, poderá realmente ser vivido. Todos sorrindo. O momento tão acalentado por ela. Como pode? Agora, tudo parecia um imenso pesadelo. O momento tão acalentado por ela transformou-se em um calvário.

Por favor, eu não quero. Não, não quero. Eu queria, mas desisti. Não, eu não quero isso para mim. Por favor, tire-me daqui.

Ela acordou apavorada.

O seu desejo agora é outro. E o passado deve continuar onde está.
Do portão para dentro
sexta-feira, 2 de setembro de 2011 20:46 0 Comentários
Aprendi a dizer não.

Não quero. Não posso. Não farei. Não concordo. Não é não. E ponto. O portão da minha casa não está aberto. Não quero ninguém sentado no meu sofá, com os dois pés na mesa de centro. Entrada só com a minha autorização.

“Por isso você é uma pessoa sozinha.”

Não sou. Mas poderia ser. E se fosse? Só fará parte da minha vida se eu quiser. E deixar.

Porque quem manda aqui sou eu.
Eu não sei ser romântica
quinta-feira, 1 de setembro de 2011 15:51 0 Comentários
Juro, eu tentei.

Falar “eu te amo” três vezes por dia? Mandar mensagem de saudade no meio da tarde? Publicar música com dedicatória no Facebook? Escrever um longo e-mail apaixonado declarando o próprio sentimento? Chorar em plena terça-feira achando que tudo está perdido? Desenhar coraçõezinhos no guardanapo da lanchonete?

Isso é ser romântica?

Eu não sou.

Amar?

Isso eu sei muito bem.

Mas romantismo dá mais ibope que amor.
Qual é a medida?
domingo, 7 de agosto de 2011 22:29 0 Comentários
Ela sempre ouvira pessoas dizendo que nunca mais amariam. “Não quero sentir a mesma dor.” Ela ria. Achava graça. Ou exagero. Como negar o que todos buscam por uma vida inteira?

Quando o amor lhe foi negado, ouviu diversas vezes a mesma desculpa. Drama. Ela não podia pagar por algo que não havia cometido. “Não fui eu quem o fiz sofrer”, pensava. Mas acabou pagando uma dívida que não era sua.

Enfim, ela conheceu a tão famosa dor de amor.

E agora? “Não quero sentir isso nunca mais.” Ela não quer. Como fazê-la acreditar que nem sempre as coisas se repetem? “O amanhã pode ser um dia de sol, não de tempestade.”

“Quem garante?”
“Ninguém.”

Não há garantias. E, por essa razão, ela fechou-se em concha.

“Nunca mais.”

E o amor não sabe como agir para fazê-la dizer sim.

Viva e deixe morrer
quarta-feira, 3 de agosto de 2011 11:15 0 Comentários
A sociedade contemporânea merece todas as críticas por alimentar-se dessa competição nervosa para chegar a lugar nenhum, por essa gincana de quinquilharias, sustentada pela máquina de moer sonhos a que chamamos de bom senso. A resistência adolescente a crescer tornou-se uma das formas de questioná-la. Winnicott dizia que os adolescentes são passageiros, mas numa sociedade a imaturidade não o é: sempre haverá novos candidatos a carregá-la por um tempo de suas vidas. Ele lembrava ainda que é nessa saudável imaturidade que se inspiram as revoluções, as utopias. Gostaríamos de morar nelas, mas infelizmente, para não crescer é preciso morrer. [...]

Em sonhos somos onipotentes, na prática sabemos que basta viver para morrer um pouco a cada dia.

Diana Corso, trechos de Viva e deixe morrer.
Para ler o texto completo, aqui.

Mary Del Priore
quarta-feira, 20 de julho de 2011 17:40 0 Comentários
Acho que o grande problema das mulheres brasileiras é que elas são extremamente machistas. Não deixam os filhos lavarem a louça e querem ser chamadas de docinho em casa. E se identificam com as mulheres frutas, comestíveis. Fora de casa, são independentes. Quando chegam em casa, querem ser tratadas como princesas. Esse é um grande paradoxo. Elas casam para entrar em um conto de fadas. [...]

Homens e mulheres têm aspirações diversas em relação ao casamento. As mulheres querem que o casamento seja tudo, que preencha todas as coisas. O homem, quando casa, quer uma família, filhos. Eles procuram coisas realmente diferentes. Então, fica difícil dar certo. [...]

O patriarcado não atrapalha só as mulheres. E não vamos ficar com essa de que o homem é um vilão. Ele também está sendo cobrado demais. Além de trabalhar muito, tem a pressão de ser bom pai. E precisa fazer sucesso, senão ele é um “loser”. [...]

Acho que o funk produziu um machismo de saias. Quando a Tati Quebra-Barraco fala “eu te pago e te levo para o motel”, ela vira uma mulher com um rolo de macarrão na mão, machista, que manda nos homens. Sabe aquele homem que tem o dinheiro e por isso acha que pode mandar na mulher e fazer dela o que quiser? Essa é a imagem que o funk da Tati Quebra-Barraco passa para mim. [...]

Mary Del Priore, trechos da entrevista concedida à Revista TPM, n.111, julho 2011.
Para ler a matéria completa, aqui.
Do vazio
segunda-feira, 18 de julho de 2011 10:48 0 Comentários
Ele aparece nas descrições das mais diversas existências. Está sempre lá, sorrateiro, tirando o brilho dos momentos sublimes, dos pequenos gestos, dos grandes acontecimentos, do cotidiano, do miúdo. De tudo. Há quem busque eternamente transformá-lo, ocupá-lo, fazê-lo sumir.

Há quem não aguente o vazio.

De tão presente, transborda. Está em todos os cantos, de todos os jeitos. Sempre há alguém, longe ou perto, que afirma ao mundo a sua própria incompletude. O seu lado oco. O seu próprio eco.

E quando ele não existe em nós?

Vazio. Incompletude. Oco. Eco.
Nada disso mora em mim.

Sinto-me plena. Talvez por isso, sozinha.

A doença de ser normal
[...] Assim como a tendência é reproduzir mais e mais os mesmos padrões e visão de mundo. Sem questionar, porque questionar possivelmente levaria a uma ação. E todos nós conhecemos gente, quando não nós mesmos, que prefere deixar tudo como está, ainda que doa, para não se arriscar ao desconhecido. É assim que muitos de nós abrem mão da época histórica mais rica de possibilidades de ser em troca de uma mercadoria bem ordinária: a ilusão de segurança. Mas, como sabemos, lá no fundo sentimos que algo está bem errado. Especialmente quando fica difícil levantar da cama pela manhã para seguir o roteiro programado. [...]

Vivemos numa época de intenso movimento interno, em que se perder seja talvez o melhor caminho para se achar, mas nos agarramos à primeira falsa promessa como desculpa para permanecermos imóveis. Voltados sempre para fora e cada vez com mais pressa, porque olhar para dentro com a calma e a honestidade necessárias seria perigoso. Queremos garantia onde não há nenhuma, sem perceber que o imprevisível pode nos levar a um lugar mais interessante. Podemos finalmente andar por aí desencaixotados, mas na primeira oportunidade nos jogamos de cabeça numa gaveta com rótulo. Ainda que disfarçada de vanguarda.

Eliane Brum, trechos de A doença de ser normal.
Para ler o texto completo, aqui.

O que eu faço de errado?
sexta-feira, 15 de julho de 2011 18:12 0 Comentários
O amor é pra ser difícil mesmo. É pra ser uma caminhada e requer uma sorte dos diabos. Não tem chegada. Fracassar também faz parte. Recomeçar, mais ainda. Acho – e vou até o fim achando – que o encontro de dois seres é um milagre desses mais geniais. Desses que, desbotados, merecem todo um corpo técnico de restauradores. Um casal feliz é um teto sistino e banalizado, uma obra de Michelangelo que a gente nem repara mais.

E por isso mesmo, se o encontro de dois seres é um milagre, a manutenção, a sobrevivência desse encontro, na forma de um casamento, de um namoro, de qualquer coisa que dure, é um milagre vezes dois.

[...] O grande problema em achar que você faz algo errado, em encarar a vida amorosa caindo de costas e quebrando o nariz, é que você se torna chata. Chata! Todo homem percebe de longe e sai correndo diante de uma torneira vazando rancor e negatividade.

J. Antonio, trechos de Sou uma solteira eterna. O que eu faço de errado?
Para ler o texto completo, aqui.

*
Tem coisa mais chata do que mulher reclamando que está sozinha? Se nem as amigas aguentam, que dirá um homem. Aliás, o mundo nos diz que devemos mostrar que estamos solitárias e queremos companhia. Menos. Relacionamento não é muleta, é evento de graça. É preciso chorar menos e viver mais.

Meu filho, você não merece nada
segunda-feira, 11 de julho de 2011 11:00 0 Comentários
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande. [...]

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

Eliane Brum, trechos de Meu filho, você não merece nada.
Bisavó precoce
domingo, 10 de julho de 2011 20:24 0 Comentários
Não é preciso alongar-se muito sobre o que estamos cansados de saber: a velhice é um espantalho contemporâneo e ninguém quer enxergar tais traços em si mesmo. Mais do que uma questão de estética, é do pânico da finitude que se trata. Um idoso é alguém que tem mais vida para trás do que pela frente, mas somos gulosos, da nossa existência queremos um crédito infinito, o consolo de que se pode recomeçar a cada instante, que nada acabe. Ignoramos que a trajetória de uma vida se faz de sucessivas mortes do que já fomos.

Diana Corso, trecho de Bisavó precoce.
O amor bom é facinho
quarta-feira, 29 de junho de 2011 10:25 0 Comentários
Toda vez que eu insisti com quem não estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado.

[...]

Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada.

Ivan Martins, trechos de O amor bom é facinho.
Para ler o texto completo, aqui.


*
Uma das piores coisas que já ouvi na vida: “Não sei porque você me ama. Não há motivos para isso.” Demonstração clara de que escalar o muro da indiferença não dará em nada. Não sou afeita a seduções. Amor para mim tem de ser simples. Vai e volta. Amar e ser amado de graça. Há tanta coisa complicada na vida, amor não tem de ser mais uma.
Da aceitação
sábado, 25 de junho de 2011 16:09 0 Comentários
Não adianta. Não adianta explicar a quem se recusa a entender. Ou até entende, mas precisa? Ela pediu tantas vezes. Não quero ouvir. Ela sente, ela vê, aquilo machuca. Não adianta. O passado entra pela sua goela abaixo e nem adianta gritar, reclamar, espernear. Bruta. Se chora, é frescura. Se reclama, é grosseria. Se não quer ouvir, há algum problema. Pedem a ela para respeitar, mas respeitá-la ninguém quer. Pedem para aceitar o que aconteceu com outras, mas aceitar o que aconteceu com ela também não quer. Ela é a carta perdida, a que não fez parte da história, a que está nos anexos porque não quiseram colocá-la como capítulo. E ela tem de aceitar? Aceitar o quê? Ela aceita sim. Por isso chora até cansar, sem ninguém ver.
O medo
sexta-feira, 17 de junho de 2011 18:35 0 Comentários
Posso me apaixonar por você? Ou será que daqui a um ano você vai ser acometido por uma vontade incontrolável de ir para a Índia sozinho? Posso me apaixonar por você? Ou será que você vai me contar, de um jeito cortante, que não teria filhos comigo? Ou, pior, que na verdade não vai mais se separar pra ficar comigo… Quebrar a cara faz parte, mas depois de um tempo… dá uma preguiça. Dá vontade de antever os pormenores, acelerar a história um tempinho, só pra saber (assim, de leve, como quem não quer nada) se vale a pena regar aquele friozinho na barriga que começa a brotar ali. Depois de alguns calos adquiridos se jogando na vida (sem medo), o medo começa a fazer parte. Tão inevitável como as rugas e os fios brancos. Mandou flores? Disse que ama? Xiiiiii… A voz da sua avó se faz presente: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. E você começa a pensar que algo de podre deve, em breve, aparecer. Ou, pior, desaparecer. Como aquele ser doce que faz um sexo de arrepiar a espinha, manda flores e adora a ideia de ir junto com você para o Peru, mas, inexplicavelmente, vai dar um rolê ali em Springfield e… nunca mais volta, nunca mais responde uma mensagem ou passa para buscar o iPod que ficou no criado mudo do lado de lá da cama. Medo.

Alguém avisa para a turma da família Homer Simpson que mensagens foram feitas para serem respondidas, verdades foram feitas para serem ditas e juras (puts), juras foram feitas para serem cumpridas? Todo e qualquer sujeito que desrespeite essas regras deve saber que está, consciente ou inconscientemente, matando uma mulher por aí. Ou, no mínimo, prejudicando um futuro amor que poderia ser lindo, poderia ser inteiro, mas não virou porque a moça amedrontada colocou o rapaz na categoria Homer e chutou ele para Springfield sem perceber que ele não era dali.

Lia Bock, em O medo.


*
Como não concordar com ela? Depois de um tempo, realmente, dá uma preguiça de passar pelas mesmas coisas… (E não, não estou passando pela situação descrita no texto.)
Vamos reverter isso, Santo Antônio?
quinta-feira, 16 de junho de 2011 21:58 0 Comentários
O dia dele já passou, mas talvez não seja tarde para a minha redenção.

Durante os meus anos de colegial, eu estudei em uma escola católica, ao lado de uma igreja. Quando era dia de Santo Antônio, uma das minhas amigas da época ia rezar para ele. Uma vez, ela me levou junto e ficamos ao lado de sua imensa pintura que adorna até hoje uma das pilastras da igreja.

Nós duas ajoelhadas. Ela de mãos e olhos fechados. Eu olhei bem para ele e pensei dizendo: “Santo Antônio, há tantas coisas acontecendo no mundo que precisam de urgência, como vou te pedir um namorado?”.

Ele deve ter me atendido. Minha vida afetiva sempre esteve no fim da sua lista de prioridades.

Déjà vu
terça-feira, 14 de junho de 2011 07:57 0 Comentários
Ciclos. Assim é a vida. Ela própria tem começo, meio, fim e recomeço. Mesmo assim, há uma dose de espanto quando um mesmo acontecimento, com personagens diferentes, se repete. Quando ganhamos uma nova chance de rever a primeira decisão e seguir um novo caminho.

Novos começos, outras histórias, mesmas situações. Eu me sinto em um daqueles filmes “Sessão da Tarde” revistos uma porção de vezes. O medo e as possibilidades dão-se as mãos.

Confesso, é libertador conhecer os erros como a palma da minha mão.

O amor que sabe do tempo e do vento
segunda-feira, 13 de junho de 2011 13:02 0 Comentários
Acho que o amor começa com som e com fúria, mas aprende na passagem do tempo o valor das pequenas delicadezas, as manias de cada um que irritam, mas que fazem cada um ser o que é. Aquela mirada terna e quase secreta em direção ao outro que faz uma bobagem qualquer, para mim vale tanto ou mais que o furor do desejo. Aprendi isso observando meus pais, primeiro com ciúmes desse amor onde eu não cabia, porque sabiamente eles mantiveram essa parte só para eles. Depois, com curiosidade científica e, finalmente, com ternura.

[...]

O amor é assim. Cheio de coisas sem importância que fazem uma vida. Acho que a sabedoria dos meus pais foi ter percebido que eram essas pequenas delicadezas o que realmente importava. Que os desacertos e as trapalhadas teciam os enredos das histórias que iam bordando a nossa pequena saga. Ninguém nunca achou lá em casa que era fácil viver, por isso o difícil assustava, mas não nos metia tanto medo assim.

Eliane Brum, trechos de O amor que sabe do tempo e do vento.
Jogos da memória
segunda-feira, 6 de junho de 2011 11:04 0 Comentários
A memória tem seus caprichos. Um deles é trazer o passado de volta aos pedaços, como fotos recortadas que mostram só o que se quer guardar. Outro é se confundir com o sonho, inventando coisas que fazem a gente sentir saudade do que não aconteceu.
A fofura
sexta-feira, 27 de maio de 2011 10:24 0 Comentários
Existe uma ode às mulheres difíceis. Vivem atormentadas, confundem grosseria com autenticidade, sinceridade com falta de educação, bipolaridade com descompasso emocional. Não sabem o que querem. Em um momento, desejam o mundo. Em outro, a solidão. Justificam qualquer atitude que agrida outra pessoa. Aliás, adoram dizer que têm atitude. São fascinantes e atraentes. E não é raro encontrar homens que enlouquecem por essas mulheres.

O contraponto, as mulheres fofas. Elas são educadas e tratam bem as pessoas. Equilibradas, sabem o que querem e esperam o momento certo para demonstrar. Entendem o significado da palavra empatia. São gentis. Sorriem. São adoráveis. Atraem um outro tipo de homem. Não os enlouquecidos, mas aqueles que desejam estabilidade.

As primeiras geralmente criticam as segundas. Ah, eu desconfio dessas mulheres. Não há como ser educada e gentil sempre. Desconhecem que uma fofa sabe a diferença entre firmeza e surto.

Fofa! Totalmente sem sal. A graça está em pratos voando, pessoas chorando e corações despedaçados.

“Você é a única pessoa que chama alguém de ‘querida’ e não soa falso.”

Porque eu não sou falsa, querida. Eu sou fofa.
A bondade
quarta-feira, 25 de maio de 2011 23:03 0 Comentários
Tolinha. É o que pensam para rimar com boazinha. Como se a maldade fosse mérito, grandeza, esperteza, sagacidade, inteligência. Engano. Imenso autoengano, na verdade.

Existe beleza em não enxergar o outro? Em se comportar como se o “eu primeiro!”, que falamos quando criança, prosseguisse pela idade adulta? Se colocar em primeiro lugar para cuidar da própria vida é diferente de se colocar no mundo como se todos à nossa volta existissem para nos servir. Sim, a bondade caminha na contramão do egoísmo.

Estender a mão. Importar-se com uma dor que não é sua. Sorrir por uma conquista alheia. Torcer. Incentivar. Ajudar por compaixão, não por recompensa. A bondade caminha de mãos dadas com o amor.

“A diferença é que você é boazinha, eu não.” Sim, eu sou. A diferença é que tenho a bondade ao meu lado todo o tempo. Você não.
Onde
sexta-feira, 20 de maio de 2011 20:36 0 Comentários
Debaixo do chuveiro, dentro de uma gaveta, no recheio do bolo, na caixinha dos óculos, num galho esquisito que não combina com a árvore, na pressa do relógio, num livro esquecido na estante, na sala de espera do dentista, enquanto o sinal está vermelho, numa fotografia antiga, no supermercado, no pulo da gata, dentro da bolsa, lendo jornal, no cheiro do café, no sonho da noite que reaparece de dia, depois do susto, no meio da música. As ideias vivem por aí, distraídas, querendo se contar.
Namore uma garota que lê
segunda-feira, 16 de maio de 2011 13:36 0 Comentários
Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas. [...]

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa. [...]

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

Rosemary Urquico, trechos de Namore uma garota que lê.
Vamos comer mais bolo?
sexta-feira, 13 de maio de 2011 09:42 0 Comentários
Uma dose extra de doçura, por favor! Vamos comer mais bolo? Bolo simples, com café no copo americano, e se for de plástico, melhor ainda. Por um pouco de açúcar e calorias e sem reclamações, sim? Abro as redes sociais e não encontro mais música, declarações de amor, suspiros por uma manhã de sol. Todos viraram repórteres de telejornalismo trash, todos querem ser comentaristas polêmicos. E as músicas? E as declarações de amor? E os desenhos favoritos? Fotos de bebês também andam sumindo do mapa. E são bem melhores do que fotos de animais despedaçados anunciados por repórteres amadores de ongs de todos os tipos. Vamos lavar a nossa roupa suja nas nossas próprias casas reais e compartilhar com o mundo algo um pouco mais bacana do que a última polêmica do momento? O que, ao menos, ela seja por algo singelo? Uma dose de doçura, por favor!!!! Tá chato ler notícias em todos os lugares. Já tem notícia no jornal, na televisão, no rádio. Vamos relaxar um pouco e comer um pedaço de bolo? E tomar café no copo. E ser um pouquinho mais felizes, só hoje? E antes que alguém ache que isso é fugir da realidade, a resposta: a realidade nunca foge do nosso alcance, mas dá para deixar as coisas mais amenas, por uma vida mais equilibrada, mesmo quando você é a pessoa mais informada e engajada do mundo.

Chris Campos, em Vamos comer mais bolo?

*
Não resisti e publiquei o texto completo. Porque eu concordo com tudo.
Qual?
domingo, 24 de abril de 2011 14:10 0 Comentários
Qual dor é maior: solidão ou angústia?

Solidão é silêncio.
Angústia é sirene.

Solidão é suspiro.
Angústia é soluço.

Conheço ambas de perto.

A primeira dor foi maior.
A segunda fez mais estrago.

Fiz a minha escolha: abro mão das duas.

O preço da autoestima
sexta-feira, 22 de abril de 2011 11:08 0 Comentários
O que eu mais quero não é necessariamente aquilo que está escrito no roteiro que traçaram por mim. O que eu mais quero tem a ver com aquilo em que mais acredito, o que mais fará diferença em minha existência, o que me faz crer que eu nasci para realizar. E dificilmente somos capazes de saber o que nascemos para realizar antes de viver um bocado.

[...] Eu só quero muito o que é importante para mim.

[...] O choro de ontem me trouxe mais uma lição sobre a autoestima ao me mostrar que não é fazendo o máximo que eu puder que vou me sentir a dona do pedaço, mas sim fazendo o melhor que eu quiser. Desconfio que alcançar um sucesso não desejado é provavelmente tão ruim quanto não alcançar nenhum.

Francine Lima, trecho de O preço da autoestima.
Para ler o texto completo, aqui.

Avulsos
quinta-feira, 14 de abril de 2011 10:05 0 Comentários
[...] De repente ela repetiu uma frase minha, pinçada de uma entrevista, da qual eu não lembrava: “a sociedade trata muito mal os avulsos”. O que eu hipoteticamente já sabia, soou como se fosse a primeira vez.

[...] O que mexe com os pareados é uma inveja do avulso, sua possibilidade de estar só, livre para dispor do seu tempo, para escolher caminhos sem consultar ninguém. A solidão pode ser dolorida, mas aos avulsos raramente faltam amigos com quem dividir prazeres e dores, além de amores, que podem até não durar, mas emocionam. Fazer escolhas é perder as outras vidas possíveis e lembrar disso abala estruturas. Os avulsos representam liberdade perdida, vínculos desfeitos, morte, a labilidade do amor. Sua presença desperta desejos e fobias, por isso a sociedade os constrange. Toda diferença questiona.

Diana Corso, no texto Avulsos. Para ler completo, aqui.

Como eu encontro a Poesia?
terça-feira, 12 de abril de 2011 16:42 0 Comentários

[...] Quando a vida desta Mija que gosta de flores está neste ponto ela descobre que sofre do Mal de Alzheimer. “Você vai esquecer primeiro os substantivos”, diz a médica. “Mas os substantivos são os mais importantes”, retruca Mija.

[...] Em uma das tantas cenas lindas do filme, o professor pede a cada aluno para contar o melhor momento da sua vida. São todos adultos, em geral sofridos, e estão lá em busca de sentido. Uma mulher conta que sua memória mais feliz foi ensinar sua avó a cantar antes de morrer. Mija descreve a cena da infância na qual descobriu que era amada pela irmã. Um homem diz que teve uma existência muito dura e sem nenhum episódio feliz. Então ele lembra que por décadas viveu num porão e agora, quando se transferiu para a cidade, alugou um apartamento barato e ficou lá rolando pelo chão. Havia sido, sim, um momento muito feliz.

Acho que esse exercício pode nos ajudar a perceber a poesia que dá sentido à vida dentro de nós.

Eliane Brum, trechos do texto Como eu encontro a Poesia?, sobre o filme Poetry.
Para ler o texto completo, aqui.
Para assistir ao trailer, legendado em inglês, aqui.

A fala genuína
sexta-feira, 1 de abril de 2011 10:17 0 Comentários
São os olhos, exatamente os olhos, que eu mais ouço. A vida tem me ensinado, ao longo da jornada, que as palavras muitas vezes mentem. Os olhos, geralmente, não desmentem o que diz o coração.
Escrever
quinta-feira, 24 de março de 2011 22:17 0 Comentários
Men like women who write. Even though they don’t say so. A writer is a foreign country.

Homens gostam de mulheres que escrevem. Muito embora eles não digam. Um escritor é um país estrangeiro.

Marguerite Duras
Pode ir
Quando notamos que a dor passou? O seu reflexo continua no corpo mesmo depois que acabou. Eu ficava remoendo os porquês das noites maldormidas por não conseguir me acomodar na cama. Nem na vida. Há quem deixe o reflexo da dor o perseguir por anos e anos. Eu não. Desaprendi a olhar para trás. Aprendi a sonhar para frente.
Depois de muito amor
quarta-feira, 9 de março de 2011 19:29 0 Comentários
A mulher somente despreza quem ela amou demais. Não é qualquer homem que merece, não é qualquer pessoa. Pede uma longa história de convivência, tentativas e vindas, mutilações e desculpas. O desprezo surge após longo desespero. É quando o desespero cansa, quando a dúvida não reabre mais a ferida.

É possível desprezar pai e mãe, ex-esposa ou ex-marido, daquele que se esperava tanto. Não se pode sentir desprezo por um desconhecido, por um colega de trabalho, por um amigo recente. O desprezo demora toda a vida, é outra vida. É nossa incrível capacidade de transformar o ente familiar num sujeito anônimo.

[...]

Não significa que se aceitou o passado, que se tolera o futuro; é uma desistência. Uma espécie de serenidade da indiferença. Não desencadeia retaliação, não se tem mais vontade de reclamar, não se tem mais gana para ofender. Supera a ideia de fim, é a abolição do início.

Não desejaria isso para nenhum homem. O desprezado é mais do que um fantasma. Não é que morreu, sequer nasceu; seu nascimento foi anulado, ele deixa de existir.

O desprezo é um amor além do amor, muito além do amor. Não há como voltar dele.

Fabrício Carpinejar, trechos de Depois de muito amor.
Em apenas um dia
sábado, 5 de março de 2011 10:44 0 Comentários
O amor tem vários jeitos de se mostrar.

Pode ser uma manhã serena, com sorrisos doces, palavras açucaradas, suspiros profundos. Aquele brilhinho no olhar. Acomete adolescentes de qualquer idade.

Sol do meio-dia. Calor queimando sobre a cabeça. Além de todo o resto. As palavras inexistem, porque ninguém pensa em conversar. Ou não precisa. Ou não quer. Fugaz, volta quando encontra uma brecha. Nem os apaixonados pelo verão aguentariam sua existência durante os doze meses do ano.

Fim de tarde. Oscilação entre o encontro e o encantamento. As conversas são o ponto-chave da alegria. Conhecer o outro por tudo aquilo que ele diz, seja com palavra, gesto, piscadela ou beijo. Ser feliz junto, como diria um historiador.

A noite. É quando a confiança se anuncia. Deixar o outro conduzir quando não há luz para mostrar o caminho. Sem falar na segurança de encontrar a mão amada, que nos diz que sempre estará tudo bem.

E a madrugada, quando os porões da intimidade adentram a nossa casa. Momento da profundidade, quando conhecemos os recantos do outro para então nos reconhecermos. É no silêncio das horas iluminadas apenas pela lua que temos certeza: sim, é amor.

Enfim, o sol nasce. O primeiro raio, aquele que fez um desconhecido deixar de ser mais um para ser o único, agora renasce para nos lembrar o motivo da escolha. Por que escolhi você?

Não escolheu, encontrou.

Felizes daqueles que vivem o amor em dias completos. Há um palmo de anos, eles existem dentro de mim.
A vítima indigesta
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011 17:04 0 Comentários
Eliane Brum fala sobre o livro de Natascha Kampusch, a menina austríaca que viveu em cativeiro dos 10 aos 18 anos, quando conseguiu fugir. O texto vale cada linha.

*

Chegaram a sugerir a Natascha que trocasse de nome para não ser assinalada pelo que viveu. Como se isso fosse possível. E, caso fosse possível, como se anular seu passado não anulasse com ele uma parte essencial de si mesma. “Que tipo de vida seria essa, especialmente para alguém como eu, que durante os anos de cativeiro lutara para não perder a identidade?”, questiona.

Com surpreendente maturidade, Natascha entendeu que só tem uma vida aqueles que aceitam as suas marcas como parte do vivido, mas não como tudo o que são. E assim, ela não se fixou nas marcas nem se deixou paralisar pelo lugar de vítima eterna. Natascha Kampusch seguiu com seu corpo e sua vida marcada em direção ao futuro, pronta para ser tatuada por novas experiências. Como é, afinal, a vida de todos nós.

Eliane Brum, trecho de A vítima indigesta. Para ler o texto completo, aqui.
Não pertencer
domingo, 13 de fevereiro de 2011 07:59 0 Comentários
Aceitei meu fracasso como compreensível e completo. Previ que passaria o resto da minha vida como uma “estranha”. Mas, de preferência, atrás de uma porta fechada, para ninguém saber.

Liv Ullmann. Mutações. São Paulo: CosacNaify, 2008. p.35.
Das violências
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011 10:33 0 Comentários
Eu sempre fui uma criança corajosa. Uma adolescente corajosa. Uma jovem corajosa. Aprendi a argumentar quando mal conseguia falar. Eu me tornei uma mulher. Momento em que me calei, engoli seco, chorei por dentro. Deixei pisarem em mim. Para não agredir, escolhi ser agredida. Mas essa não sou eu. Nasci sabendo me defender e cuidar de mim.

Descobri que a maior violência é negar aquilo que nascemos para ser.
Amor sem esforço
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011 07:55 0 Comentários
Seria bacana se a gente pudesse dissolver a ilusão de que para sermos amados temos que ser outros que não nos habitam. Outros que não somos. Outros que, no fundo, não podemos ser, mas também não precisamos. Ter outras caras. Outros corpos. Outros gostos. Outros sonhos. Outros jeitos. É inútil qualquer esforço de tentar caber onde o nosso coração não está. Onde ele não pode nadar livremente, no tempo e no ritmo das próprias braçadas, aproveitando, feliz, o contato com a vida. Há um desperdício imenso de energia nessa história. É tenso demais viver para agradar, em troca de pertencimento, reconhecimento, alguma afeição. Maquiar as emoções, boicotar a própria essência, trocar a luz natural por luminárias artificiais, bolar planos fantásticos para chegar ao coração de quem quer que seja. Cansa, só de imaginar.

Além de inútil, é perigoso. Perigoso porque dói, mesmo quando faz aumentar nossos índices de popularidade. Nosso catálogo de endereços eletrônicos. Nossas referências no caderno de telefones. Nossa lista de contatos do celular. Perigoso porque requer de nós muito malabarismo emocional para não trairmos as personagens que criamos para atender as demandas alheias. É trabalhoso demais tentar ser o que não se é. Exaustivo. Drenagem pura. E, no fim das contas, o que buscam essas pessoas que queremos que nos amem? Procuram por nós ou pelas pessoas que tentamos parecer? Por nós ou pelas pessoas que querem que sejamos? Se não for por nós, não tem importância alguma. A leveza escoa, assustada, ralo afora. Se não for por nós, não é de verdade.

De vez em quando nós lembramos para, em geral, esquecer outra vez pouco depois: o amor não pede esforço. O amor acontece. Somos amados assim do nosso jeito. Assim do nosso tamanho. Assim do nosso lugar. Somos amados como somos, já preciosos. Isso é de uma liberdade que raramente sentimos ser capazes. As pessoas mais interessantes que conheço não fazem sacrifícios para ser amadas. São do jeito delas. Se são amadas, maravilha. Se não, vida que segue, mais a frente os encontros virão e é bem provável que tenham mais a ver com elas. A diferença que conta é que, à parte o amor que possam receber, elas são amadas por elas mesmas. Estão confortáveis por ser como dá pra ser a cada instante.

São pessoas que não querem mostrar nada além da espontaneidade que já conseguem. Não querem caber onde lhes falta espaço. Não têm a pretensão de ter montes de amigos: se tiverem um, capaz de amá-las, de verdade, já estão no lucro. Querem amar e ser amadas, sim, desde que cada pessoa tenha liberdade para ser. Nadam no ritmo delas, no tempo delas, nesse mar de águas tantas vezes turbulentas da vida. E consideram cada braçada uma vitória. Uma possibilidade de encontro. Se não acontecer, vez ou outra, continuam contando com o próprio pertencimento. O próprio reconhecimento. A própria afeição.
Só ela sabe
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011 09:08 0 Comentários
Ficção e realidade. Nunca confundiu pretérito perfeito com futuro do pretérito. Separa as memórias e fantasias em caixas distintas e sabe o momento de visitar uma ou outra. Ela simplesmente sabe. Há três cadernos: o diário da vida, o diário dos sonhos, o diário da literatura. O primeiro guarda os seus acontecimentos. O segundo, os relatos do inconsciente. O terceiro agrega também a sua imaginação. As palavras, quando saem de seus dedos, guardam as suas lembranças, carregam os seus devaneios, libertam aquilo que poderia ter sido. O que nunca aconteceu realmente não existiu? Ela sabe a diferença. Por isso, escreve: para tornar realidade o que jamais teria acontecido em outro lugar.
Mutações
sábado, 22 de janeiro de 2011 06:32 0 Comentários
“Existe uma menina em mim que se recusa a morrer”, escreveu a autora dinamarquesa Tove Ditlevsen.

Eu vivo, me alegro, sofro, e estou sempre lutando para me tornar adulta. Mas todos os dias, porque alguma coisa que eu faço a afeta, ouço a voz da menina, lá dentro de mim. Ela, que há tantos anos era eu. Ou quem eu pensava que fosse.

A voz é ansiosa, quase sempre de protesto, embora algumas vezes débil, e cheia de expectativa e angústia. Não quero prestar atenção nela, porque nada tem a ver com minha vida adulta. Mas a voz me deixa insegura.

Às vezes, acordo com vontade de viver a sua vida, assumir um papel diferente daquele que é meu cotidiano. Eu me aconchego à minha filha ainda adormecida, sinto sua respiração cálida e tranquila e tenho a esperança de que, por meio dela, possa tornar-me o que desejei ser.

Examinando, retrospectivamente, o que lembro dos meus sonhos de infância, vejo que se parecem com muitos que ainda tenho, mas não vivo mais como se fossem parte da realidade.

Ela que está em mim e “se recusa a morrer” ainda espera algo diferente. Nenhum sucesso a satisfaz, nenhuma felicidade a acalma.

O tempo todo estou tentando modificar-me. Pois sei que existem outras coisas bem diferentes daquelas que conheci. Gostaria de caminhar para isso. Encontrar a paz, de maneira a poder parar e escutar o que está dentro de mim, sem nenhuma influência.

Liv Ullmann, trecho do livro Mutações, editora CosacNaify.
Fonte: Entretenimento UOL
Na pele do outro
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 04:32 0 Comentários
Quando entrevisto algum escritor costumo perguntar: por que você escreve? Alguns me respondem que escrevem para não matar. Eu também escrevo para não matar. Acho que na maior parte das vezes a gente escreve, pinta, cozinha, compõe, costura, cria, enfim, porque não sabe o que fazer com as pessoas que riem enquanto alguém tenta atravessar o corredor do shopping sem ter forças para atravessar o corredor do shopping.

O que me horroriza, mais do que os grandes massacres estampados no noticiário, são essas pequenas maldades do cotidiano. E só consigo compreender os grandes massacres a partir dos pequenos massacres de todo dia. Os risinhos e dedos que apontam, os cotovelos que se cutucam.

Quem pratica os massacres miúdos do dia a dia é gente que se acha do bem, que não cometeu nenhum delito, que vai trabalhar de manhã e dá presente de Natal. Gente com quem você pode conversar sobre o tempo enquanto espera o ônibus, que trabalha ao seu lado ou bem perto de você, e às vezes até lhe empresta o creme dental no banheiro. É destes que eu tenho mais medo, é com estes que eu não sei lidar. [...]

Penso nisso porque acho que o mundo seria melhor – e a vida doeria um pouco menos – se cada um se esforçasse para vestir a pele do outro antes de rir, apontar e cutucar o colega para que não perca a chance de desprezar um outro, em geral mais vulnerável. Antes de julgar e de condenar. Antes de se achar melhor, mais esperto e mais inteligente. Vestir a pele do outro no minuto anterior ao salto na jugular. [...]

Porque nascemos gente – mas só nos tornamos pessoas se fizermos o movimento.

Eliane Brum, trechos de Na pele do outro.
Para ler o texto completo, aqui.
Vinte e quatro horas por dia
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011 08:40 0 Comentários
Tentar manter um relacionamento gentil, pacífico, amoroso, comigo mesma, antes de qualquer outra coisa, é uma necessidade: convivo comigo vinte e quatro horas todo santo dia, há muitos anos. E a tendência é que isso prossiga exatamente dessa maneira, sem perspectiva de mudança, pelo menos até que se encerre a temporada. Onde quer que eu vá, eu me levo, com ou sem vontade. Não importa o que eu faça, estou junto, inseparável. Com ou sem outra companhia, eu me acompanho. Quando todos vão embora, quando as luzes se apagam, quando cada dia vai dormir, quando cada novo dia acorda, eu permaneço. Mesmo quando durmo, o enredo dos meus sonhos, de uma forma e de outras, fala de mim, vê se pode! Ainda que, de vez em quando, nos períodos inevitáveis de cansaço da convivência, eu tente escapar desse contato por meio de algum disfarce, conhecido ou inédito, não demora muito eu me encontro novamente. Não tem jeito.

Toda vez que me tornei insuportável para mim, eu me meti numa encrenca das grandes. É muito complicado passar tanto tempo na companhia de alguém que nos incomoda. De alguém que a gente não está conseguindo olhar nos olhos. De alguém cuja voz nos irrita. De alguém com quem não conseguimos permanecer em silêncio, até onde o silêncio é viável. De alguém cuja presença faz o nosso coração recuar. É por isso também que eu insisto tanto em investir nessa relação. É maravilhoso contar com a presença das pessoas que eu amo, mas, antes de tudo, estar comigo, com ou sem elas, precisa ser minimamente confortável, apesar de toda instabilidade climática e da possibilidade de chuvas ocasionais e trovoadas no decorrer do período. Precisa ter a maior qualidade de leveza que eu consiga. E, na medida do possível, precisa ser divertido. Afinal, não é pouca coisa: são vinte e quatro horas, ininterruptas, por dia. Só dá pra levar bem se rolar afeto, como diz um amigo meu. Só dá pra levar bem se existir, um pouco que seja, de amor, ele que, a gente sabe, é capaz de coisas incríveis. Muito mais do que um luxo, aprender a conviver melhor comigo é uma prioridade, diariamente atualizada.
Santa Amnésia
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011 06:44 0 Comentários
Não é que seja exatamente corajoso, meu coração tem é isso de bom: não ocupa espaço com mágoas e, com o tempo, ele se tornou desmemoriado pra assuntos de frustração. Quando me dou conta, lá está ele amando de novo, sorriso de orelha a orelha, com tal frescor que parece que nunca foi ferido. Dá, sim, pra ver uma cicatriz aqui e ali, outras mais adiante, que cicatriz não morre, mas ele não liga. Nem eu. Não é que seja exatamente teimoso, meu coração tem é isso de bom: gosta de amar. Eu também.
Armadilhas
domingo, 9 de janeiro de 2011 12:57 0 Comentários
Vamos combinar que muitas vezes não há mistério algum, vilão algum, nenhuma influência sobrenatural, questão de sorte. A gente sabe que se tocar naquele fio desencapado é choque garantido, como da última vez, mas a gente toca. A gente sabe que certos adubos são infalíveis para fazer a nossa dor crescer, mas a gente aduba. A gente sabe os tons emocionais que desarmonizam a pintura da tela de cada dia, mas a gente escolhe exatamente esses para pintar, mesmo dispondo de outros tantos na nossa caixa de lápis de cor. A gente sabe a medida do tempero e a desmedida, como sabe o sabor resultante de cada uma. Por histórico, a gente sabe a resposta muito antes de refazer a pergunta, mas a gente refaz.

Vamos combinar que muitas vezes não há nada de tão imprevisível, de tão inimaginável, muito menos entrelinhas, muito menos mau-olhado. A gente sabe, por memória das andanças, para onde a estrada de certos gestos nos leva, mas a gente segue. A gente sabe no que dá mexer em casa de marimbondo, mas a gente mexe. A gente sabe que não vai receber o que espera, mas a gente oferta sempre pela penúltima vez. A gente sabe que algumas praias são traiçoeiras, que não sabemos sequer nadar direito, que o afogamento é a coisa mais provável de todas, mas a gente mergulha. A gente sabe que a realidade, por mais dura que seja, precisa ser encarada com os olhos mais abertos do mundo, mas a gente inventa todo jeito que pode para desviar o olhar.

Vamos combinar que muitas vezes não há segredo algum, inimigo algum, interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora além da nossa autosabotagem. A gente sabe que esticar a corda costuma encolher o coração, mas a gente estica. A gente sabe que nos trechos de inverno é necessário se agasalhar, mas a gente se expõe à friagem. A gente sabe que não pode mudar ninguém, que só podemos promover mudanças na nossa própria vida, mas a gente age como se esquecesse completamente dessa percepção tão sincera. A gente lembra os lugares de dor mais aguda onde já esteve e como foi difícil sair deles, mas, diante de circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não aceitar o óbvio, em não se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço.

Eu pensava em todas essas armadilhas enquanto caminhava na Lagoa, um dia de céu de cara amarrada, um tiquinho de sol muito lá longe, tudo bem parecido comigo naquela manhã. Eu me perguntei por que quando mais precisamos de nós mesmos, geralmente mais nos faltamos. Que estranha escolha é essa que faz a gente alimentar os abismos quando mais precisa valorizar as próprias asas. Como conseguimos gostar tanto dos outros e tão pouco de nós. Eu me perguntei quando, depois de tanto tempo na escola, eu realmente conseguirei aprender, na prática, que o amor começa em casa. Por que, tantas vezes, quando estou mais perto de mim, mais eu me afasto. Eu me perguntei se viver precisa, de fato, ser tão trabalhoso assim ou se é a gente que complica, e muito. Como conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo tempo que tão fortes. Somos humanos, é claro, mas ser humano é ser divino também.

Eu não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os invernos, os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos todos, o bom uso das asas, os fios desencapados, as medidas e as desmedidas. Tudo passa, o que queremos e o que não queremos que passe, a tristeza e o alívio coabitam no espaço desta certeza. Eu não tenho muitas respostas. O que eu tenho é fé. A lembrança de que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de sol possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns céus. E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.
O tempo das coisas
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011 06:06 0 Comentários
Poderíamos, com mais frequência, tentar deixar a vida em paz para desembrulhar suas flores no tempo dela, no tempo delas, e, em alguns momentos, nem desembrulhar. Apesar da nossa cuidadosa aposta nas sementes, algumas simplesmente não vingam e isso não significa que a vida, por algum motivo, está se vingando de nós. Há muito mais jardim para ser desembrulhado.

Poderíamos, mais vezes, tentar respeitar os dias e as noites das coisas, os sóis e as luas de cada uma, os amanheceres, os entardeceres, as madrugadas, a sabedoria reparadora e tecelã dos intervalos, as estações todas com seus jeitos todos de dizer. Percebermos, mais vezes, a partir da nossa própria experiência humana, que tudo o que vive, queira ou não, está submetido à inteligência natural e engenhosa das fases. Dos ciclos. Da permanente impermanência. Da mudança.

Poderíamos, amiúde, tentar desviar nossa atenção do relógio perigoso da expectativa, geralmente adiantado demais. Aquele tal cuja velocidade transtornada dos ponteiros costuma apontar para o tamanho e a urgência das nossas carências. Para a necessidade de preenchimento imediato e contínuo do que chamamos de vazio, às vezes porque é, às vezes por falta de palavra melhor. Aquele tal relógio que geralmente só antecipa frustração e atrasa sossego. Aquele tal que costuma só fomentar dificuldades e alimentar fomes.

Mas, não. A crisálida ainda está se acostumando com a ideia de ser borboleta e já queremos que voe. A flor ainda é botão e, em vez de apreciá-la como botão, ficamos apressados para vê-la desabrochada. O fruto ainda precisa amadurecer, mas o arrancamos, verde, do pé, por mera ansiedade. Ainda é a vez do tempo estar vestido de noite, mas queremos que se troque rapidinho para vestir-se de manhã.

Nossa impaciência, nossa pressa àvida pelo resultado das coisas do jeito que queremos, no tempo que queremos, geralmente altera o sábio fluxo do tempo da vida e o desdobramento costuma não ser lá muito agradável. Não é raro, nós o atribuímos à má sorte, ao carma, ao mau-olhado. Não é raro, culpamos Deus, os outros, os astros, os antepassados. Não é raro, é claro, nós ainda nos achamos cobertos de razão.

É fácil lidar com isso? Não é não. Nem um pouco. Esse é um dos capítulos mais difíceis do livro-texto e do caderno de exercícios: o aprendizado do respeito ao sábio tempo das coisas.

«» »»»»