Pensar, o tempo inteiro, o que seria viver de acordo com o próprio coração. Seguir aquela voz forte, gritando no peito, a todo instante. Não adianta tapar os ouvidos, olhar para o lado, ligar a televisão, ouvir música no último volume, prestar atenção na buzina dos carros, no choro do bebê da vizinha, na conversa da família na sala. Não. Nada adianta. Sequer adiantaria tentar. E a voz lá, gritando, gritando, gritando, querendo ensurdecer. Tentar fugir. Não quero ouvir. Não quero saber. Para que ouvir? Para que saber? Não é o meu coração o meu guia. Quem falou isso? O grande guia é outro. Aquela caixa preta, acima do pescoço. Nossa grande caixa de pandora. Não adianta abrir, a chave é com segredo. É secreto. Não nos foi dado o código para abri-la. Mas é ela, sim, é ela quem nos guia. Ela, o todo tempo. E por que ouvir a voz? Por quê? Para! Para de me dizer a todo instante a mesma coisa. Para! Cansei disso! Cansei de ouvir esta voz gritando, gritando, gritando. No começo era sussurro. Depois veio o tom de conversa. E eu, fingindo não ouvir. E começaram os gritos. Agora os gritos são tão altos que doem. Ai, como doem. Doem a todo instante. Não durmo, pelo som e pela dor. Depois disto, o que virá? Alguém sabe? Alguém saberá me dizer, o que mais virá me atormentar? Hein? E alguém aí, alguém quer saber o que os gritos dizem? Querem saber o que meu coração quer me contar? Saber o que eu sempre soube, mas nem eu mesma tive coragem de me contar? Paixão. Viver com paixão. Viver com a nossa paixão. Aquela paixão viva. Não, não é essa que você está pensando. Nem você está vivendo de acordo com a sua, porque pensou que eu estivesse falando de uma outra pessoa. Não. Estou falando de outra paixão. A sua. A minha. Aquela que nos faz viver. Paixão por um sonho. Nosso sonho de vida. Coloquei o meu debaixo da cama. Na gaveta do peito. Agora, ele não me deixa mais dormir.
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