O blog

Aqui é um espaço construído de acordo com o meu desejo de contar, compartilhar e escrever.

Itinerário

Não quero viver como uma planta que engasga e não diz a sua flor. Como um pássaro que mantém os pés atados a um visgo imaginário. Como um texto que tece centenas de parágrafos sem dar o recado pretendido. Que eu saiba fazer os meus sonhos frutificarem a sua música. Que eu não me especialize em desculpas que me desviem dos meus prazeres. Que eu consiga derreter as grades de cera que me afastam da minha vontade. Que a cada manhã, ao acordar, eu desperte um pouco mais para o que verdadeiramente me interessa. Não quero olhar para trás, lá na frente, e descobrir quilômetros de terreno baldio que eu não soube cultivar. Calhamaços de páginas em branco à espera de uma história que se parecesse comigo. Não quero perceber que, embora desejasse grande, amei pequeno. Que deixei escapulir as oportunidades capazes de bordar mais alegrias na minha vida. Que me atolei na areia movediça do tédio. Que a quantidade de energia desperdiçada com tantas tolices poderia ter sido útil para levar luz a algumas sombras, a começar pelas minhas. Que eu saiba as minhas asas, ainda que com medo. Que, ainda que com medo, eu avance. Que eu não me encabule jamais por sentir ternura. Que eu me enamore com a pureza das almas que vivem cada encontro com os tons mais contentes da sua caixa de lápis de cor. Que o Deus que brinca em mim convide para brincar o Deus que mora nas pessoas. Que eu tenha delicadeza para acolher aqueles que entrarem na roda e sabedoria para abençoar aqueles que dela se retirarem. Que, durante a viagem, eu possa saborear paisagens já contempladas com olhos admirados de quem se encanta pela primeira vez. Que, diante de cada beleza, o meu olhar inaugure detalhes, ângulos, leituras, que passaram despercebidos no olhar anterior. Que eu me conceda a bênção de ter olhos que não se fechem ao espetáculo precioso da natureza, há milênios em cartaz, com ou sem platéia. Quero aprender a ser cada vez mais maleável comigo e com os outros. Desapertar a rigidez. Rir mais vezes a partir do coração. Quero ter cuidado para não soltar a minha mão da mão da generosidade, durante o percurso. E, quando soltá-la, pelas distrações causadas pelo egoísmo, quero ter a atenção para sincronizar o meu passo com o dela de novo. Quero ser respeitosa com as limitações alheias e me recordar mais vezes o quanto é trabalhoso amadurecer. Quero aprender a converter toda a energia disponível às mudanças que me são necessárias, em vez de empregá-la no julgamento das outras pessoas. Que as dificuldades que eu experimentar ao longo da jornada não me roubem a capacidade de encanto. A coragem para me aproximar, um pouquinho mais a cada dia, da realização de cada sonho que me move. A idéia de que a minha vida possa somar no mundo, de alguma forma. A intenção de não morrer como uma planta que engasgou e não disse a sua flor.

Pétalas

Dentro do porquinho cor-de-rosa não tinha nenhuma moeda. Só as palavras mais preciosas que ela guardava com cuidado, enroladas em tirinhas de papel.

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A vida é um demorado adeus
segunda-feira, 15 de novembro de 2010 08:17 0 Comentários
Por conta da peça Viver sem tempos mortos, Fernanda Montenegro concedeu uma belíssima entrevista à Revista Bravo! em maio de 2009. Eu fiquei especialmente emocionada em dois momentos:


Sua mãe trabalhava fora?
Não. Era uma ótima dona de casa, uma administradora emérita do lar. Cuidava com carinho e eficiência de meu pai, um modelador mecânico, e das três filhas. Quando ficou viúva, caiu em depressão. Tinha mais de 80 anos e procurou uma psicanalista. Expôs as angústias à terapeuta e depois a ouviu, ouviu, ouviu. De repente, interrompeu a conversa e revelou: “Doutora, sabe do que gostaria mesmo? De liberdade”. Veja bem: minha mãe precisou chegar à extrema velhice para conseguir expressar o que de fato almejava. Escutei testemunhos similares — e tardios — de outras mulheres idosas, como a minha sogra. Elas integravam uma geração que suportava a dor em silêncio, sem reclamações. “Caráter e espinha”, proclamava minha mãe quando lhe indagavam quais os principais atributos femininos. Espinha para se curvar, compreende?

[...]

Fernando concordava com as ideias defendidas por Simone em O Segundo Sexo?
Sim, totalmente. Era um homem de tutano, de fibra, um homem libertário que recusava o machismo. Enfrentou meu sucesso e minha personalidade forte à maneira de um gigante. Em nenhum momento me castrou. Pelo contrário: me incentivou muito e, na função de produtor, buscou criar as melhores condições para meu progresso como atriz. Certas vezes, me vendo no palco, chorava de emoção. Se minhas conquistas o incomodavam, não deixou transparecer — atitude que considero de uma grandeza absoluta. [...]


Ainda há mulheres que não sabem o significado de liberdade. Ainda há homens que não sabem conviver com uma mulher que sabe. Chorei ao ler sobre o marido de Fernanda Montenegro. Porque é um marido assim que espero ter ao meu lado.


Para ler a entrevista completa, que vale cada parágrafo, clique aqui.

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