Ela não tivera pais leitores. Em sua casa, não existia uma estante com ares de biblioteca. Os grandes autores e os mais belos clássicos não habitavam a sua casa. Os livros apareciam em sua vida num acaso, por sorte, mão do destino.
Quando ela estava no começo da adolescência, sua mãe era leitora de uma revista feminina, daquelas baratas e populares, com assuntos que oscilavam entre as receitas para o almoço de domingo e o creme caseiro para hidratar os cabelos. Um dia, alguma boa alma daquela redação teve a ideia de lançar uma coleção. A cada exemplar, os leitores ganhariam, de brinde, um clássico da literatura.
Capa vermelha, título dourado e miolo de papel de pão: assim eram os livros da coleção. Toda semana, sua mãe ficava com a revista e ela, com o livro. Foi assim que conheceu William Shakespeare, Fiódor Dostoiévski, Charles Dickens, Oscar Wilde, Machado de Assis e alguns outros. Era o seu primeiro contato com a literatura dos adultos. Ela tinha apenas 12 anos.
Passado tanto tempo, ela ainda lembra do cheiro daqueles livros, da textura da capa e das páginas. Ainda guarda o seu encanto com algumas daquelas histórias e, até hoje, relembra de si mesma lendo algumas passagens. O seu amor pelos livros não surgiu ali, mas foi assim que ele cresceu e tomou conta.
De quem terá sido a ideia dessa coleção? Quem teve a iluminação de dar livros de presente em uma revista tão distante daquele universo? Ela nunca irá saber, mas será eternamente grata a quem mudou a sua vida.
A chuva batendo no telhado e os trovões que acordam as pessoas de sono breve a acompanham enquanto escreve. Enquanto pensa. Enquanto sente. Quando criança, ela amava ficar na chuva pelo simples prazer de chegar em casa, tirar a roupa e tomar banho quente. Sentia uma calma plena, poucas vezes encontrada em outros momentos.
Ela deveria estar lá fora, de madrugada, deixando o seu corpo ser lavado pela chuva. Porque dentro dela também há água transbordando. Mas, essa, ninguém escuta.
“Se algo acontecer
Será tão bom
Eu tenho bons motivos pra me resguardar
Estou tão certa de você
“Mais fácil me perder do que te achar
O meu desejo sempre foi contracenar
Um longo filme de amor
Mas não vou legendar o seu olhar
Focado em mim direto assim”
Tiê, trechos de “Já é tarde”.
1. Ainda na infância, assegure-se de ler um monte de livros. Passe mais tempo fazendo isso do que qualquer outra coisa.
2. Quando adulto, tente ler seu próprio trabalho como um estranho o leria, ou melhor ainda, como um inimigo o leria.
3. Não romantize sua “vocação”. Ou você consegue escrever boas frases ou não consegue. Não existe nada parecido com uma “vida de escritor”. A única coisa importante é o que você deixa na página.
4. Evite seus pontos fracos. Mas faça isso sem dizer a si mesmo que aquilo que é incapaz de fazer não merece ser feito. Não mascare sua insegurança com o ressentimento.
5. Deixe um espaço de tempo decente entre escrever e editar o que escreveu.
6. Evite panelinhas, grupos, gangues. A presença de uma multidão não tornará seu texto melhor do que é.
7. Trabalhe num computador desconectado da internet.
8. Proteja o tempo e o espaço em que escreve. Mantenha todo mundo do lado de fora, mesmo as pessoas que são mais importantes para você.
9. Não confunda honrarias com realização.
10. Diga a verdade através de qualquer véu que esteja à mão – mas diga. Conforme-se com a tristeza de uma vida inteira que advém do fato de nunca estar satisfeito.
Zadie Smith, em “Os dez mandamentos do escritor”.