Dizer é mais importante do que fazer. Das confortáveis poltronas de casa, na frente de um computador, falamos tudo. É assim que funciona: opiniões saltam aos olhos. Eu tenho de dizer o que acho, analisar o que não conheço, criticar aquilo do qual não faço ideia, me indignar. Encontrei a palavra: indignação. É sempre absurdo. É sempre pavoroso. A humanidade está sempre por um fio. Porque, claro, eu sou o esclarecido. Eu sei de absolutamente tudo. Apenas eu, que não reconheço a minha limitação, conheço os meandros de todos os acontecimentos. Os outros, não. Eles são os boçais. Apenas eu sou uma fagulha de esperança no meio dessa sordidez humana. Você viu o que aconteceu em tal lugar? Isso não pode continuar! Vamos bradar ao mundo, é um absurdo!
O meu vizinho? Sim, ele bate nos filhos todos os dias. Não, nunca denunciei porque não me meto na vida dos outros. Cachorros abandonados? Tem um monte aqui na rua, mas por mim, todos sumiriam. Os mendigos do centro da cidade? Vagabundos, sabe como é. Não quiseram trabalhar, colheram o que plantaram. Viciados? Mesma coisa. A minha mulher? Só fala, não aguento mais. Ela cuida da casa, trabalha, cria os filhos, não faz mais do que a sua obrigação. Meus filhos? Só os vejo à noite, quando volto do trabalho. Nem conversamos, porque criança precisa de pai, não de amigo, isso eles arranjam na escola. Minha mãe? Coloquei no asilo. Nunca a visitei, cuidam bem dela lá. Também, pelo preço que me cobram…
Desculpa, mas você está me atrapalhando. Tenho de atualizar meu Twitter e Facebook. Estou muito passado com os últimos acontecimentos. Você viu o que aconteceu? Absurdo! A humanidade está acabando, pode anotar. E a imprensa, que não mostra essas coisas? Na verdade, quando vejo tanta baixaria eu fico desiludido, sabe. Por isso eu falo mesmo, escrevo em todas as redes sociais. A indignação é a nossa única arma para acabar com esses abusos, vocês não acha?