Tem dor que vira companhia. Olhando de perto, faz tempo que deixou de doer, só tem fama, mas a gente não solta. Quem sabe, pelo receio de não saber o que fazer com o espaço, às vezes grande, que ficará desocupado se ela sair de cena. Vazio é também terreno fértil para novos florescimentos, mas costuma causar um medo inacreditável.
Quando, finalmente, criou coragem e deixou de dar casa, comida e roupa lavada para a tal dor, ela desapareceu.
Eu nasci em época errada. Deveria ter nascido quando os homens cortejavam as mulheres e se desdobravam para conquistá-las. Hoje, somos nós que temos de demonstrar interesse, sair à caça, chegar junto, nos declarar. Logo mais, vão querer que façamos pedidos de casamento e peguemos um homem no colo na noite de núpcias. Sinto muito, mas a mulher aqui sou eu.
Acompanho o Fabrício Carpinejar pelo Twitter e hoje li uma resposta no seu
Consultório Poético que me emocionou imensamente. Copiei apenas os trechos que mais me tocaram.
Uma moça pergunta:Mas ele não pode me entregar o que eu desejava. Aquela palavra com C que todos os homens temem. Mas não era véu ou grinalda que eu queria, não era bolo, não queria uma lista de convidados, uma casa, contas conjuntas. Eu queria cumplicidade [...] eu não tenho um título, não sou namorada, não sou amante, não sou amada, não sei o que sou para ele [...] O amor esquece de acontecer para mim. Como faz para que ele aconteça? Essa é a minha pergunta real.
O Carpinejar responde:Confessa que não tem título nenhum: “não sou namorada, não sou amante e não sou amada, não sei o que sou para ele”. Mas age como namorada, amante e amada, obedecendo a uma representação bem definida. Ele foi avisado do compromisso e de sua necessidade? Ou está esperando que ele transcreva seu pensamento e siga o script? De repente, o sujeito não alcança a gravidade de sua percepção. Nem deve entender o que anseia. [...] Está ferida pelo amor público, por aquilo que ele não demonstrou aos outros – não tanto pela saudade da história que construíram. Não descobriu apenas que é um homem comum, o baque é que se viu tão comum quanto ele. Não a valorizou e glorificou como gostaria, como sonhou desde a infância. Sua cicatriz vem de um romantismo descumprido, de uma idealização arruinada. Ele não é o melhor para você, é o necessário no momento para desafiar suas próprias limitações e condicionamentos. Tentaria novamente. Opção cômoda é sofrer e aceitar, resignada, a separação onde não começou a união. Insistiria uma vez, duas vezes, até cansar de projetar o passado na tela de seu quarto.
A pergunta, na verdade, referia-se à traição do rapaz com sua amiga. Mas pelos meus olhos, o que me tocou foi esse trecho. Já passei pela mesma experiência dessa moça, aquela que não tem nome numa relação também sem definição. Na terapia, chorando eu perguntei: “Ele namorou com outras, por que não comigo?” e ouvi a resposta mais triste: “Talvez você não seja o pesinho de flor dele”. E o que a gente mais quer, quando ama, é ser a única flor na vida dessa pessoa. Ler a resposta do Carpinejar foi relembrar essa angústia de não ter identidade para aquele que mais importa. Pela primeira vez alguém entendeu isso com tamanha sensibilidade. E chorei porque sei como ninguém o que significa essa dor.
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